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Vacina: o direito das crianças e a desinformação sobre o dever dos pais e agentes públicos

Por Rosiene Carvalho

No momento em que o Amazonas completa um ano da explosão de mortes na segunda onda da covid-19, parte do gatilho que causou o caos e colapso do sistema de saúde volta a ser ativado. Desta vez, contra os direitos das crianças e adolescentes.

Crianças com idade entre 5 e 11 anos já são vacinadas contra covid em Manaus (Foto: Semcom)

A pressão sobre o desestruturado sistema de saúde do estado e a incompetência das autoridades sanitárias e de saúde em todas as esferas começou com a resistência de movimentos políticos que incentivaram as pessoas a negarem as medidas orientadas pela ciência e pelas autoridades técnicas no assunto diante do aumento de ocupação de leitos, em dezembro de 2020.

O Amazonas não podia parar, mas parou para correr por leito, oxigênio e morrer por desassistência e asfixia. Hoje, somamos 14.045 óbitos por covid-19 no Amazonas. De acordo com dados da FVS (Fundação de Vigilância e Saúde), as crianças não foram poupadas pela covid-19: 2.340 agravaram a ponto de necessitarem ser internadas e 127 não resistiram ao vírus e morreram. Ainda segundo a FVS, as crianças hospitalizadas e as que morreram sentiram, em decorrência da covid-19, febre, tosse, desconforto respiratório, dispneia, vômitos, entre outras consequências provocadas pelo agravamento da doença.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem sigilo de 100 anos sobre sua carteira de vacina e todos os demais membros da família vacinados, puxou mais uma vez o bonde. No dia 6 de janeiro, logo após a Anvisa autorizar a vacinação de crianças entre 5 e 11 anos criticou a medida, levantou dúvidas sobre a vacina e exortou pais a não seguirem a recomendação.

“A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião, quero dar para você aqui: a minha filha de 11 anos não será vacinada (…) Eu pergunto: você tem conhecimento de uma criança de 5 a 11 anos que tenha morrido de Covid? Eu não tenho. Na minha frente tem umas 10 pessoas aqui, se alguém tem levante o braço. Ninguém levantou o braço na minha frente. Então, converse, vê se é o caso de você vacinar o teu filho ou não. É um direito teu vaciná-lo, está autorizada a vacinação e ela é voluntária.”, declarou em entrevista à rádio Nova de Pernambuco.

A ativação da corrente antivacina seguiu mesmo protocolo de todas as outras “polêmicas” levantadas pelo presidente Bolsonaro: disseminação de desinformação sobre a vacinação de crianças em redes sociais, espaços na mídia e defesa deste conteúdo por parte de políticos bolsonaristas em nível federal e estadual no espaço público e institucional.

Alguns com informações escrachadamente mentirosas sobre a vacina e outros tentando dar um viés jurídico para o posicionamento que atrai o olhar do eleitorado bolsonarista. Na ALE-AM, de forma errada a vacina foi chamada de “experimental” pelo líder do Governo Wilson Lima, deputado estadual Felipe Souza. A declaração dele contraria o entendimento da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que cumpriu protocolos de análises e estudos para autorizar de sua aplicação no País e já esclareceu que o termo é incorreto e não aplicável porque as vacinas foram testadas, são confiáveis e seguras.

A Anvisa também já reforçou que as pessoas não estão sendo tratadas como cobaias e que as vacinas estão sendo usadas com resultados positivos de forma emergencial. O fato é que as mortes diminuíram, bem como o potencial de agravamento e ocupação de leitos por causa da vacina, mas a desinformação não.

O deputado estadual Delegado Péricles (União Brasil) apresentou um projeto de lei contra obrigação de vacinar crianças, logo após a Prefeitura de Manaus decidir cobrar a carteira para a entrada de alunos na rede municipal. Ele já tomou duas doses para se proteger da Covid e é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da ALE-AM. É formado em Direito e disputa em 2022 a reeleição.

Ao contrário do que defendem os bolsonaristas, o debate sobre os “direitos dos pais” e sobre a vacinação não ser obrigatória não encontra amparo no texto constitucional e nas legislações vigentes no País. De acordo com o advogado, professor da pós-graduação da Ufam e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Yuri Dantas Barroso, além de não ofender a Constituição, a exigência do passaporte vacinal realiza um dos ideais constitucionais que é a garantia da preservação da saúde como direito de todos.

O defensor público e professor Helon Nunes afirma que a vacinação é a regra e que a legislação no Brasil, e em todo o mundo, não discute direitos e sim deveres dos pais em relação aos filhos.

“Sempre tivemos essa ideia: o filho é meu e eu faço dele o que eu quiser. Mas precisamos compreender que não há uma relação, juridicamente falando, constitucionalmente falando e historicamente falando. Hoje, em nenhum lugar do mundo se fala em direito dos pais em relação aos filhos no tocante à saúde, mas, sim, um dever dos pais, da sociedade pela efetivação do direito à saúde”.

Sobre a não inclusão, por decisão do Governo Bolsonaro, da vacina da Covid no Plano Nacional de Imunização e sim no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra Covid, Helon Nunes e Yuri Dantas afirmam que nada impede municípios e estados de classificarem a vacina como obrigatória e exigirem o cumprimento desta obrigatoriedade.

Acompanhe abaixo a entrevista completa com Helon Nunes e Yuri Dantas, conduzida pelos jornalistas Rafael Campos e Rosiene Carvalho:

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